AFP PHOTO / OSSERVATORE ROMANO/ FRANCESCO SFORZA
Editorialmente, março vai ser um mês “quente” para opapa. Com o pontificado de Francisco completando o primeiro ano, serão lançados pelo menos seis livros e quatro produções cinematográficas e televisivas sobre ele. Quais foram as maiores novidades do papa “que veio de longe”? Onde e como ele provocou maior impacto nesses primeiros meses? Lucio Brunelli, vaticanista da [emissora italiana] Rai há vinte anos e jornalista especializado em informação religiosa há mais tempo ainda, responde com palavras ponderadas, filtradas pela experiência de quem acompanha as atividades do papa quase cotidianamente. Para ele, este papa é "especial". Brunelli não esconde isso.
Às vésperas do conclave, você era um dos poucos jornalistas que indicavam Bergoglio entre os candidatos elegíveis. Por quê? Pelo carinho que você tinha por conhecer tão bem o cardeal?
É claro que havia carinho, e ainda há. Mas a certeza de que o cardeal de Buenos Aires era um “papabile” se baseava em dados concretos. Eu notava um grande desejo de mudança entre os cardeais, especialmente entre os não europeus, depois do escândalo Vatileaks e da renúncia dramática de Bento XVI. A barca de Pedro parecia encalhada, com ondas sombrias que pareciam açoitá-la. Eles procuravam um homem de Deus, com grande força espiritual, que não fosse da cúria e não fosse italiano, porque os italianos, com ou sem razão, eram considerados “parte em causa” nos acontecimentos dolorosos da Cúria Romana. Bergoglio cumpria esses requisitos como nenhum outro. As únicas dúvidas eram quanto à suposta indisponibilidade dele, porque tinham espalhado a lenda de que, no conclave de 2005, ele teria rejeitado os votos de quem procurava nele uma alternativa "pastoral" ao candidato "doutrinal" Ratzinger. E havia a questão da idade, 76 anos. Todas essas dúvidas foram varridas durante a preparação do conclave, nas secretíssimas congregações gerais. O discurso de Bergoglio deixou todos os cardeais de boca aberta, tanto pelo conteúdo (a Igreja que precisa sair de si mesma, livrar-se da mundanidade espiritual, refletir melhor a luz de Cristo entre os homens do nosso tempo, chegando até as periferias existenciais mais distantes...), quanto pelo espírito profundamente religioso, credível, que animava as palavras dele.
Quando eu tive informação segura sobre a receptividade que o discurso dele conseguiu, telefonei para o meu editor-chefe e propus uma matéria sobre Bergoglio para ser incluída na lista restrita dos “papabili” que nós tínhamos começado a transmitir, um por noite.
"Você tem certeza de que ele não vai ser o 65º da lista?", me perguntaram na redação.
"Tenho certeza. Ele vai ficar bem acima", respondi.
E a matéria foi ao ar na mesma noite, 9 de março. Eu também me lembro de uma brincadeira emblemática que escutei de um homem influente da Igreja, na véspera do conclave: "Vai ser um cardeal mais velho, mas bastaria quatro anos de um papado Bergoglio para reformar a Igreja". Eu não tinha mais dúvidas de que o cardeal argentino era um candidato forte. E eu lia com ironia os títulos do Corriere della Sera e do La Republica, que apresentaram o conclave até o final como uma partida entre dois jogadores e com resultado certo em favor de um deles, o italiano Scola e o brasileiro Scherer. Mas depois, naquela noite de 13 de março, quando eu estava ao vivo no telejornal e ouvi o cardeal Tauran pronunciar em latim o nome de Jorge Mario Bergoglio como novo papa, tremi de emoção e de felicidade.
Ainda falta muito para quatro anos de papado de Bergoglio, mas, chegando ao fim do primeiro ano, quais são os aspectos em que você acha que ele já impactou?
Ele impactou principalmente na percepção que as pessoas têm da Igreja. E existe algo de milagroso na rapidez da mudança. O mundo todo olha para o papa e para a pregação dele com assombro, interesse, simpatia. E as pessoas mais impressionadas com Francisco parecem ser exatamente as que até ontem pareciam as mais distantes e desconfiadas da Igreja. Francisco lançou as bases para uma renovação profunda da Cúria Romana. Para libertá-la do centralismo burocrático excessivo e da doença do carreirismo eclesiástico. As primeiras nomeações de cardeais foram um sinal bem real nessa direção. Termina o automatismo que levava certos cargos do Vaticano ou certas dioceses a reivindicar o cardinalato quase que por direito divino. Outro discurso muito poderoso foi na composição da Congregação para os Bispos, um dos dicastérios mais influentes da Cúria, porque é lá que se decide a “fisionomia” da “classe dirigente” da Igreja católica. Francisco quer bispos “com cheiro de ovelha”, não funcionários; quer que eles fiquem perto do povo, pregando com a vida o evangelho da misericórdia que é o “proprium” de Cristo.
Comparando com o Bergoglio que você conhecia de antes, quais aspectos do papa Francisco mais impressionam você? Por quê?
A força, a determinação tranquila, a obstinação alegre com que ele realiza as escolhas dele. Desde a decisão de viver em Santa Marta, e a recusa a ser gerido por uma corte, até os discursos que estão causando terremotos na Conferência Episcopal Italiana. Eu o vejo mais forte e mais sereno. Ele não se deixa estressar pela enormidade da reforma nem pelo peso das resistências. Nós vemos que ele repousa em Deus, que ele sente que está fazendo o que Deus pede, e ele vai em frente decidido, arcando com um grande esforço, mas sem nunca perder a serenidade. E eu me encanto com o que vejo nos fiéis, como reflexo disso, quando estou na Praça São Pedro como repórter: assombro, emoção, gratidão. Como acontecia com os discípulos na Palestina há dois mil anos, quando eles assistiam assombrados e comovidos à pregação e aos atos de Jesus. Porque a verdadeira reforma é retornar àquelas origens. E isso não é uma coisa que você pode programar na escrivaninha, como nos ensinou o grande papa Bento XVI: é a graça que Deus concede a certas pessoas em certos períodos. Para facilitar para todos o seguimento do bom, do verdadeiro, do belo.
Às vésperas do conclave, você era um dos poucos jornalistas que indicavam Bergoglio entre os candidatos elegíveis. Por quê? Pelo carinho que você tinha por conhecer tão bem o cardeal?
É claro que havia carinho, e ainda há. Mas a certeza de que o cardeal de Buenos Aires era um “papabile” se baseava em dados concretos. Eu notava um grande desejo de mudança entre os cardeais, especialmente entre os não europeus, depois do escândalo Vatileaks e da renúncia dramática de Bento XVI. A barca de Pedro parecia encalhada, com ondas sombrias que pareciam açoitá-la. Eles procuravam um homem de Deus, com grande força espiritual, que não fosse da cúria e não fosse italiano, porque os italianos, com ou sem razão, eram considerados “parte em causa” nos acontecimentos dolorosos da Cúria Romana. Bergoglio cumpria esses requisitos como nenhum outro. As únicas dúvidas eram quanto à suposta indisponibilidade dele, porque tinham espalhado a lenda de que, no conclave de 2005, ele teria rejeitado os votos de quem procurava nele uma alternativa "pastoral" ao candidato "doutrinal" Ratzinger. E havia a questão da idade, 76 anos. Todas essas dúvidas foram varridas durante a preparação do conclave, nas secretíssimas congregações gerais. O discurso de Bergoglio deixou todos os cardeais de boca aberta, tanto pelo conteúdo (a Igreja que precisa sair de si mesma, livrar-se da mundanidade espiritual, refletir melhor a luz de Cristo entre os homens do nosso tempo, chegando até as periferias existenciais mais distantes...), quanto pelo espírito profundamente religioso, credível, que animava as palavras dele.
Quando eu tive informação segura sobre a receptividade que o discurso dele conseguiu, telefonei para o meu editor-chefe e propus uma matéria sobre Bergoglio para ser incluída na lista restrita dos “papabili” que nós tínhamos começado a transmitir, um por noite.
"Você tem certeza de que ele não vai ser o 65º da lista?", me perguntaram na redação.
"Tenho certeza. Ele vai ficar bem acima", respondi.
E a matéria foi ao ar na mesma noite, 9 de março. Eu também me lembro de uma brincadeira emblemática que escutei de um homem influente da Igreja, na véspera do conclave: "Vai ser um cardeal mais velho, mas bastaria quatro anos de um papado Bergoglio para reformar a Igreja". Eu não tinha mais dúvidas de que o cardeal argentino era um candidato forte. E eu lia com ironia os títulos do Corriere della Sera e do La Republica, que apresentaram o conclave até o final como uma partida entre dois jogadores e com resultado certo em favor de um deles, o italiano Scola e o brasileiro Scherer. Mas depois, naquela noite de 13 de março, quando eu estava ao vivo no telejornal e ouvi o cardeal Tauran pronunciar em latim o nome de Jorge Mario Bergoglio como novo papa, tremi de emoção e de felicidade.
Ainda falta muito para quatro anos de papado de Bergoglio, mas, chegando ao fim do primeiro ano, quais são os aspectos em que você acha que ele já impactou?
Ele impactou principalmente na percepção que as pessoas têm da Igreja. E existe algo de milagroso na rapidez da mudança. O mundo todo olha para o papa e para a pregação dele com assombro, interesse, simpatia. E as pessoas mais impressionadas com Francisco parecem ser exatamente as que até ontem pareciam as mais distantes e desconfiadas da Igreja. Francisco lançou as bases para uma renovação profunda da Cúria Romana. Para libertá-la do centralismo burocrático excessivo e da doença do carreirismo eclesiástico. As primeiras nomeações de cardeais foram um sinal bem real nessa direção. Termina o automatismo que levava certos cargos do Vaticano ou certas dioceses a reivindicar o cardinalato quase que por direito divino. Outro discurso muito poderoso foi na composição da Congregação para os Bispos, um dos dicastérios mais influentes da Cúria, porque é lá que se decide a “fisionomia” da “classe dirigente” da Igreja católica. Francisco quer bispos “com cheiro de ovelha”, não funcionários; quer que eles fiquem perto do povo, pregando com a vida o evangelho da misericórdia que é o “proprium” de Cristo.
Comparando com o Bergoglio que você conhecia de antes, quais aspectos do papa Francisco mais impressionam você? Por quê?
A força, a determinação tranquila, a obstinação alegre com que ele realiza as escolhas dele. Desde a decisão de viver em Santa Marta, e a recusa a ser gerido por uma corte, até os discursos que estão causando terremotos na Conferência Episcopal Italiana. Eu o vejo mais forte e mais sereno. Ele não se deixa estressar pela enormidade da reforma nem pelo peso das resistências. Nós vemos que ele repousa em Deus, que ele sente que está fazendo o que Deus pede, e ele vai em frente decidido, arcando com um grande esforço, mas sem nunca perder a serenidade. E eu me encanto com o que vejo nos fiéis, como reflexo disso, quando estou na Praça São Pedro como repórter: assombro, emoção, gratidão. Como acontecia com os discípulos na Palestina há dois mil anos, quando eles assistiam assombrados e comovidos à pregação e aos atos de Jesus. Porque a verdadeira reforma é retornar àquelas origens. E isso não é uma coisa que você pode programar na escrivaninha, como nos ensinou o grande papa Bento XVI: é a graça que Deus concede a certas pessoas em certos períodos. Para facilitar para todos o seguimento do bom, do verdadeiro, do belo.
(Fonte: Aleteia)
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