Não existe nenhuma determinação judicial de efeitos abstratos no sentido de impor ao país o "casamento homoafetivo", apesar das notícias jornalísticas a respeito
Brasília, - (Zenit.org) Paulo Vasconcelos Jacobina
Na sessão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) do dia de hoje, 14 de maio de 2013, em Brasília, foi aprovada proposta, do respectivo Presidente, de resolução determinando aos órgãos do Poder Judiciário que, em face do julgamento pelo STF da ADPF 132/RJ e da ADI 4.277/DF, se abstenham de recusar a habilitação, a celebração de casamento civil e a conversão de união estável em casamento baseada no fato de os interessados serem pessoas do mesmo sexo.
Para dar eficácia à decisão, o membro do Ministério Público Federal lotado no CNJ sugeriu que a recusa de registro de casamento civil baseada na homossexualidade dos proponentes seja comunicada à respectiva corregedoria, para as finalidades que couberem, contra os juízes e oficiais de registro que não quiserem registrar este tipo de “casamento”.
Algumas ponderações sobre o assunto são necessárias.
As decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) na ADPF 132/RJ e ADI 4277/DF vão no sentido de considerar como "família" a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Em nenhum momento o STF determinou que elas têm direito a impor a agente estatal qualquer pretensão de casamento civil; o pedido da PGR na ADPF 132 é expressamente o de reconhecer a união estável de pessoas do mesmo sexo como família. Na ADI 132, a ementa chega a proclamar a " Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil." Ou seja, o reconhecimento da união estável de pessoas do mesmo sexo como "família" passou longe da declaração de uma "impositividade de registrar casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo, sob pena de punição correicional". Não foi isso que o STF decidiu, apesar das distorções feitas pela imprensa que noticiou o assunto à época.
O que foi pedido pela PGR na ADI 4277 foi o seguinte:
"a) Declarar a obrigatoriedade do reconhecimento como entidade familiar, da união entre pessoas do mesmo sexo, desde que atendidos os mesmos requisitos exigidos para a constituição de união estável entre homem e mulher, e
b) Declarar que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo".
A decisão do STF conclui dizendo que "Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva."
Foi este pedido que foi procedente, nenhum outro e nada mais. Não existe nenhuma determinação judicial de efeitos abstratos no sentido de impor ao país o "casamento homoafetivo", apesar das notícias jornalísticas a respeito.
Quanto à ADPF 132, o seu pedido é, expressamente, o de que o STF "declare que o regime jurídico da união estável deve se aplicar, também, às relações homoafetivas", e foi este pedido que foi julgado integralmente procedente e nenhum outro.
A Constituição Federal de fato é ampla na conceituação de "família", e foi nessa amplitude que o STF trabalhou. Mas o art. 226, § 3º, da Constituição, quando trata da "conversão da união estável em casamento", expressamente determina que somente a união estável entre homem e mulher são assim conversíveis: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento." Ou seja, é bastante razoável admitir que a união estável de pessoas de mesmo sexo seja, segundo o STF, considerada como entidade familiar; mas também é bastante razoável admitir que o STF não determinou que tais uniões fossem conversíveis em casamento, porque há disposição constitucional expressa em sentido contrário e não há dispositivo em decisão vinculativa do STF que determine o contrário.
Além disso, o Código Civil expressamente prevê que "O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados." art. 1514. Este artigo não foi julgado inconstitucional pelo STF em momento nenhum, e não há nenhum artigo de lei que determine qualquer rito matrimonial civil de outra forma. Está em vigor apenas e tão-somente com esta redação. Não se pode ser um legalista estrito, é claro... Mas em direito administrativo cabe ao agente público fazer o que a lei determina; não pode ser punido por não fazer o que a lei, segundo o pensamento de alguns, deveria determinar.
Cabe ao CNJ cumprir a lei e a Constituição, e garantir o cumprimento deles pelo Judiciário. Não reinterpretá-los contra seu texto expresso, e de modo absolutamente ideológico ler numa decisão do STF aquilo que o STF não decidiu, para impor conduta preterlegal a agentes públicos sob pena de punição administrativa.
Por outro lado, a escusa de consciência, quer dizer, o direito de recusar-se a fazer aquilo que viola seus próprios valores religiosos ou morais, está prevista na Constituição, art. 5º, VII, e a ameaça de "responsabilização correicional" punitiva à resistência a ordem manifestamente ilegal do CNJ parece, neste contexto, violar direitos constitucionais fundamentais dos magistrados e cartorários que quiserem resistir à decisão do CNJ.
Os poderes de controle administrativo que o CNJ tem sobre o Poder Judiciário não podem ser amplificados a ponto de transformar-se em meio de alteração do próprio ordenamento jurídico em favor do pensamento “vanguardista” dos componentes momentâneos do CNJ, em tema que não diz respeito a controle do Judiciário, mas a opções do conjunto da sociedade brasileira manifestada em textos legais absolutamente vigentes.
A decisão do CNJ parece, portanto, absurda, diante deste quadro acima; a determinação de levar à corregedoria quem resistir a ela parece bem violenta, e com todo respeito ao Conselho, inconstitucional e ilegal. Uma tentativa antidemocrática de impor uma agenda ideológica à sociedade por meios indiretos. É preciso que estejamos bem atentos.
Paulo Vasconcelos Jacobina é Procurador Regional da República e Mestre em Direito Econômico
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