Existem muitas pessoas em segunda união muito mais santas que pessoas que comungam diariamente
Brasília, (Zenit.org) Thácio Lincon Soares de Siqueira
ZENIT: É verdade que as normas da igreja proíbem os padres de confessar às pessoas divorciadas?
Pe. Hélio: Aqui existe um problema pastoral sério e voltamos ao tema do filho pródigo. Há muitos anos não estamos conseguindo dar verdadeira formação àqueles que vão casar – não os evangelizamos desde a infância e depois cremos que com 4 horas de formação para noivos estarão preparados para contrair matrimônio. Isso é burocracia e não mostrar o rosto de Cristo. Depois não acompanhamos as pessoas que se casam – a grande maioria nem frequenta a Missa, pois não conseguimos fazer que entendam a beleza da Eucaristia. A consequência é que o número de separações e divórcios é cada vez maior (351 mil divórcios no Brasil em 2011). A culpa é de quem? Nossa, como Igreja, que não evangelizamos.
Um número também cada vez maior de pessoas que se separaram ou se divorciaram optam por unir-se novamente, com esperança de que desta vez dê certo. Em primeiro lugar, nosso papel não pode ser de meros juízes, colocando o dedo na ferida. Tais pessoas estão machucadas pela vida e normalmente passaram por situações muito difíceis na união anterior.
Nosso papel deve ser de acolher, escutar, ajudar, sempre a partir da verdade e evitando extremismos. Acolher no sentido de mostrar a essas pessoas que elas continuam sendo filhas de Deus e que fazem parte da Igreja. Escutar a história de cada uma, tendo misericórdia, ou seja, colocando a dor do outro no nosso próprio coração. Ajudar tentando oferecer a ela o caminho de felicidade proposto por Cristo, não como uma carga na sua vida, mas como o modo de que encontre plenamente sua felicidade.
Em muitos casos – não todos – o primeiro matrimônio foi nulo, ou seja, nunca aconteceu. São 19 as causas de nulidade e hoje, como muitos casam sem saber o que é verdadeiramente o matrimônio, ou sem assumir os compromissos que derivam do mesmo, temos grande número de casamentos inválidos. É direito do fiel poder recorrer ao Tribunal Eclesiástico para saber se seu matrimônio aconteceu de fato ou não.
No caso de que o primeiro matrimônio seja válido, devemos deixar claro a situação da pessoa e ajudá-la a que, livremente, encontre-se com Cristo. Os extremismos só prejudicam. Por um lado os rigorismos, de aplicar simplesmente a lei, sem ver a pessoa, só aumentam o sofrimento e excluem as pessoas da Igreja – Jesus Cristo veio para os doentes e não para os sãos. Por outro lado, o laxismo de não ver que existe um problema a ser sanado, também cria nas pessoas conflitos de consciência – ninguém trata um câncer simplesmente dizendo que ele não existe.
O sacramento do matrimônio, quando válido, dura até a morte de um dos cônjuges. A pessoa em segunda união deve saber que está casada realmente com o seu(ua) primeiro(a) esposo(a). Enquanto permanecer em segunda união – e existem casos que não devemos nem mesmo aconselhar que se dissolva, seja pelo bem dos filhos, seja para evitar que venha a se tornar uma terceira ou quarta união – a pessoa pode comungar da Palavra e fazer comunhões espirituais na Missa, participando de Cristo naquele grau que hoje ela é capaz de alcançar. Mas não pode comungar e nem receber a absolvição, pois ainda não há o claro propósito de emenda.
Tal situação não significa menor santidade – existem muitas pessoas em segunda união muito mais santas que pessoas que comungam diariamente – nem mesmo exclusão da vida da Igreja (estas pessoas podem e devem participar da vida pastoral da Igreja). Trata-se sim de um processo pessoal de conversão, que pode durar anos e que só Deus e a própria pessoa podem intervir.
(03 de Outubro de 2013)
*Pe. Hélio Luciano, mestre em bioética pela Universidade de Navarra, mestre em Teologia Moral pela Pontificia Universidade Santa Cruz em Roma e membro da comissão de bioética da CNBB, que se dispôs com muito carinho a responder as perguntas selecionadas.
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